Traduzido de https://www.seahorsemagazine.com/158-content/august-2020/924-the-yachtsman-s-yacht por Norberto "Trovão" Mühle
A reputação da Outremer em fazer ótimos multicascos de longa distância é causada diretamente pela experiência pessoal em regatas oceânicas do fundador da empresa Gerard Danson – para quem a segurança era inegociável
Em uma ponta estão as “máquinas
de regata”. Na outra, os catamarãs de cruzeiro lotados de móveis, equipamentos e
sistemas domésticos. É quase uma escolha binária, mas no meio do espectro de desempenho
de multicascos uma marca se destaca. A Outremer construiu uma reputação exclusiva
como o único grande construtor de catamarãs que oferece um compromisso equilibrado
entre esses dois extremos.
Nem sempre foi assim. A maioria dos construtores começou na década de 1980 fazendo cats rápidos, confortáveis e divertidos, destinados a marinheiros experientes que queriam cruzar longas distâncias e ganhar algumas regatas também. Então novos modelos de quase todos os construtores começaram a ficar progressivamente mais pesados, mais lentos, mais espaçosos – e menos gratificantes para velejar.
O principal motor dessa tendência, que continua até hoje, é a indústria de charter de iates. Multicascos tendem a ter muito mais espaço do que monocascos e, a menos que super-velados, eles são inerentemente estáveis. Isso os torna ideais como uma plataforma de férias para uma gama mais ampla de clientes de charter, incluindo capitães novatos, famílias com membros não-velejadores e casais compartilhando um barco que querem um pouco de privacidade um do outro.
Assim, os construtores começaram a produzir iates de acordo com as especificações das companhias de charter: 40-45 pés de comprimento com pelo menos 6 pés de boca nas de proa para permitir camas king-size; quatro banheiros grandes nas suítes; uma mastreação à prova de erros; preço abaixo de €400.000 a dinheiro de hoje; e um curto prazo de entrega. As leis fiscais também incentivaram o boom dos catamarãs de charter, permitindo que os proprietários deduzissem o custo de seu barco de sua renda tributável se o barco estivesse envolvido na indústria de charter.
O fundador da Outremer, Gérard Danson, recusou-se a seguir esse caminho. "Perguntei-lhe naquela época por que ele não estava interessado em crescer seu negócio", diz Mattheiu Rougevin-Baville, da Outremer. Ele me contou sobre sua experiência na regata Transmed em 1980, com 60-70kts de vento e ondas de seis a oito metros. Diversos barcos naufragaram ou capotaram. Ele sobreviveu em um de seus próprios projetos e se convenceu de algumas características ou atributos essenciais de segurança inegociáveis.
Os atributos essenciais de Danson incluem cascos longos e finos, borda-livre baixa, baixo centro de gravidade, distribuição de peso centralizada e bolinas tipo guilhotina. "Ele estava bem ciente de que a empresa não cresceria tão rápido quanto os outros que estavam mirando no mercado de charter, mas disse que queria dormir à noite, sem se preocupar com a segurança dos proprietários", explica Rougevin-Baville. "Levou tempo para crescer, mas estamos muito orgulhosos de que você possa enfrentar qualquer tipo de tempo e ainda estar seguro em um Outremer."
Hoje, a Outremer permanece fiel às
ideias de Danson. Mesmo seus modelos esportivos, o 4X de 48 pés, e o5X, de 60 pés,
não são excessivamente velados. "Ambos têm uma razão área de vela/deslocamento
(SA:D) de 14m² por ton no contravento e de 30m²/ton no vento folgado", diz
Rougevin-Baville. "Achamos que é a relação de potência máxima para manter uma
margem de segurança em um veleiro cruzeiro-regata." Acima de 14m² por tonelada,
o barco facilmente tira o casco de barla da água no contravento, o que tem sérias
implicações de segurança para a navegação oceânica.
Em contraste, a maioria dos cats de cruzeiro tem um SA:D de 7-10m²/tonelada no contravento e de 15-20m²/tonelada no vento folgado. Eles podem ter mais área vélica do que um Outremer de comprimento semelhante, mas eles são muito mais pesados. "O 4X mais leve que construímos pesa 8,5 toneladas em condição de cruzeiro; nosso 5X mais leve tem 14,5 toneladas", diz Rougevin-Baville. Compare isso com 20 ou 30 toneladas para um típico catamarã de cruzeiro. "A principal diferença de desempenho não vem da potência extra, mas da redução do arrasto e da melhor capacidade de orça", diz ele. "Há muitas reivindicações sobre o desempenho, mas a verdadeira é a relação entre a força do vento e a velocidade do barco."
O comprimento da plataforma em relação ao comprimento total é outra razão importante. Muitos cats de cruzeiro têm uma plataforma quase tão longa quanto seus cascos, mas em um Outremer ela nunca é mais de 50%. "Isso é muito importante para manter o barco leve, manter o peso centrado e evitar ondas batendo sob o convés", explica Rougevin-Baville. Multicascos são mais sensíveis à distribuição de peso do que monocascos porque não têm uma quilha com lastro que coloca 35 a 50% de seu peso total na posição ideal para reduzir o caturro. Quanto menor a plataforma, melhor a distribuição de peso e mais suave o movimento do barco em um mar mexido. "As proas devem ser estreitas também e não podem ter uma cama de casal larga se você quiser amortecer os impactos e manter o movimento suave", diz ele. "A altura do centro de gravidade (COG) e a distribuição de peso são cruciais em um multicasco se você se preocupa em navegar com um movimento confortável."
O 4X e o 5X ambos têm um COG vertical muito baixo: apenas 70-75cm acima da linha d'água, 80cm mais baixo do que um típico cat de cruzeiro. Isso é obtido, em parte, por ter baixa borda livre, um bimini de carbono e decks, laterais dos cascos e superestrutura em sanduíche de espuma, com as obras vivas em fibra monolítica mais pesada, mas também por não adicionar um flybridge (que também eleva a retranca) e não montar a escota da mestra no teto da cabine ou no bimini, o que exigiria reforços pesados.
O clearance também é importante. Ondas batendo na parte inferior da plataforma e cascos freiam o barco, exacerbam o caturro causado pela má distribuição de peso e um COG alta, e podem impedir que o barco orce mais efetivamente. Enquanto a maioria dos cats de cruzeiro tem 45-60cm de clearance, os Outremer têm 85-95cm.
A boca dos cascos é outro fator. A especificação de charter dita uma boca para cada casco de 1,85 a 2,4 metros. Em contraste, os cascos esguios de um Outremer – 1,2m para o 4X e 1,6m para o 5X – criam muito menos arrasto e não são propensos a caturrar. Os clientes têm que escolher entre dois tipos diferentes de conforto. Um espaço mais amplo dentro dos cascos significa um movimento menos confortável.
As bolinas tipo guilhotina são
um diferencial adicional. Quase todos os outros catamarãs de cruzeiro têm
quilhas fixas. "Elas fazem uma enorme diferença", diz
Rougevin-Baville. "Sentimos que elas são obrigatórias para a segurança
(fugir de mau tempo, por exemplo). Um ângulo de cambada de 90° permite que você
navegue em qualquer lugar, mais rápido do que a maioria. Quilhas fixas geralmente
dão um ângulo de 110°-120° e se você adicionar alguma corrente, você não pode
fazer progressos sem usar os motores.'
O aumento de desempenho em orça das bolinas tipo guilhotina é impressionante. "O melhor VMG geralmente é em torno de 48-53°", diz ele. "Um Outremer vencerá um bom monocasco de regata-cruzeiro em boas condições, com uma velocidade-alvo no contravento de 10kts a 47° TWA em um verdadeiro vento de 15kts." Poucos outros cats conseguem isso.
Ele menciona uma volta ao mundo em que dois amigos – um com um Outremer, o outro em um catamarã com quilhas fixas – navegaram o mesmo trajeto: "O Outremer passou menos de 5% do tempo em orça, o outro barco, 30%. Quando você consegue navegar no contravento de forma eficiente, você gasta menos tempo fazendo isso. E ninguém gosta de ficar contra o vento por muito tempo.
As bolinas tipo guilhotina não são um risco? "Eles são projetados para ser um “fusível”: se você bater em algo com força, elas vão quebrar", diz ele. A caixa de colisão dianteira da bolina se vai primeiro, depois a traseira, e então a coisa toda cai fora. "Não é grande coisa, você pode usar a outra. É por isso que não somos grandes fãs de bolinas assimétricas.
Os métodos de construção de Outremer também são diferentes. A maioria dos construtores monta um catamarã de cruzeiro em algumas semanas colando peças pré-fabricadas. Um Outremer leva de sete a nove meses para ser construído, laminado inteiramente à mão como uma única peça sólida, incluindo suportes e prateleiras. A mobília interna é fixada através de uma conexão flexível de Sikaflex, não rigidamente colada. O resultado é um barco muito rígido sem nenhum ranger, chiado, ou estralo que a maioria dos multicascos fazem em mares agitados.
Resina estervinílica é usada como barreira contra osmose e para laminação de fibra de carbono, mas a poliéster é usada nos outros lugares. "É muito prático para facilidade de reparo", explica. "Você não ficará preso por semanas até que um estaleiro com um ambiente controlado possa lidar com seu barco de oito ou nove metros de largura. Nos trópicos, onde 100% de umidade é comum, ajuda a ser capaz de laminar um reparo com qualquer resina que você possa encontrar. Você não pode fazer isso com um composto de alta tecnologia.
Os clientes podem especificar quanta fibra de carbono é usada. "Temos uma ferramenta para definir o compromisso ideal entre custo e peso, dependendo do resultado que o comprador quer alcançar", diz Rougevin-Baville. "Você adiciona mais carbono para ir mais rápido ou para compensar equipamentos pesados. É claro que o preço sobe, então nossa ferramenta de custo/peso é útil para decidir onde definir o limite." Um barco construído à mão, adaptado exatamente aos seus planos custa, naturalmente, mais do que um modelo de produção padrão, mas devido a uma combinação de qualidade de construção, desempenho e capacidade de cruzeiro no oceano, os Outremers mantêm seu valor notavelmente bem e são altamente procurados no mercado de segunda mão.
Apesar de serem construídos para travessias oceânicas, com equipamentos como máquinas de lavar a bordo, os Outremer têm apresentado desempenho impressionante em regatas de longo percurso: fita-azul em diversas edições do ARC e Transmed, uma vitória na OSTAR em 2000 e primeiro barco de série na Rota do Rum de 2018. E embora a Outremer nunca tenha construído um barco de regatas, isso está prestes a mudar. ‘Temos vários projetos em andamento para a próxima Rota do Rum’ revela Rougevin-Baville. ‘Pela primeira vez eles pretendem correr “para valer”, então, devemos começar a expandir os limites em breve!’
Acima e abaixo: os
proprietários desfrutam
de regatas parelhas
e bem disputadas na
Outremer Cup, organizada
anualmente pelo estaleiro.
Acima: a redução
e a distribuição
de peso muito
cuidadosas são fundamentais
para o desempenho
e o movimento
confortável. Até
os móveis são
em sanduíche de espuma para economizar
peso, o que
significa mais velocidade:
os tempos de
uma travessia transatlântica
são tipicamente de apenas
10 a 13
dias.