segunda-feira, 8 de junho de 2020

Estratégias de mau-tempo para catamarãs




Por sua natureza, catamarãs de grande porte são excepcionalmente seguros em mar aberto. Não é incomum navegar em condições medianamente desconfortáveis, como um vendaval, apenas para chegar ao porto e ouvir velejadores de monocascos falar de "sobreviver" a um mau-tempo horrível. Um grande catamarã moderno tem muita flutuação e excepcional inércia ao balanço. Juntos, estes fazem com que um capotamento, ou inversão, seja altamente improvável. Uma onda de 30 pés (~9,0m) atingindo um catamarã pelo través simplesmente fará o barco deslizar de lado.

Na maioria das travessias em mar aberto, comunicações e informações meteorológicas avançadas devem impedi-lo de sequer passar por vendavais de verdade ou condições de sobrevivência. Os maiores riscos ocorrem em travessias em um eixo norte-sul entre as estações. Travessias no início da primavera ou no final do outono entre a Nova Inglaterra (costa nordeste dos EUA) e o Caribe, em águas do leste do Atlântico nas costas européias, ou em rotas entre o Pacífico Sul e a Nova Zelândia são onde você normalmente tem a chance de experimentar uma “boa surra” em alto-mar. Siga as orientações descritas nas “World Cruising Routes” (Rotas de Cruzeiro Mundiais), de Jimmy Cornell, e esses riscos serão minimizados. Independentemente disso, qualquer um que se aventurar em mar aberto em um multicasco (ou, na verdade, em qualquer tipo de embarcação) deve sempre estar preparado para lidar com o pior (já dizia o velhíssimo ditado “quem vai ao mar, avie-se em terra!”).

Os catamarãs não são todos iguais

Catamarãs de cruzeiro hoje se enquadram basicamente em duas categorias.

Catamarãs de charter/cruzeiro: Catamarãs de produção, construídos para o mercado de charter, tipicamente apresentam quilhas fixas integradas, lemes de pouco calado com baixa relação de aspecto (low-aspect ratio), flybridges com grande área exposta ao vento, mastros localizados bem à vante, proas mais curtas e deslocamentos mais pesados. Mesmo em condições ideais de águas calmas, alguns desses barcos sofrerão para fazer progressos significativos no contravento e normalmente navegam perto de 55-60 graus verdadeiros de rumo em relação ao vento real (TWA). Estratégias de mau-tempo para esses tipos de catamarãs devem se concentrar em manter o controle e atingir uma velocidade moderada sem colocar em risco barco ou tripulação.

Catamarãs de cruzeiro de alto desempenho: catamarãs de cruzeiro de alto desempenho normalmente têm bolinas tipo guilhotina (se movimentam verticalmente) ou canivete (pivotam em torno de um eixo transversal ao eixo do casco) muito eficientes, lemes mais profundos, menos área exposta ao vento e menor deslocamento. Eles podem orçar a 45-50 graus em relação ao vento real (TWA) em quase todas as condições. Um catamarã de cruzeiro de alto desempenho pode tipicamente superar até mesmo os melhores monocascos no contravento. Dado o seu peso leve e área vélica generosa, deve-se prestar muita atenção à escolha correta de velas para permanecer seguro em todas as condições. As estratégias para gerenciar condições de tempestade devem se concentrar em velocidades mais altas, esforços mais baixos e equilíbrio.


Alguns catamarãs não são facilmente categorizados dentro desses dois grupos, e as estratégias para manuseá-los variam e devem ser anotadas. Você precisa fazer uma avaliação franca do seu próprio barco antes de se aventurar em mar aberto. O fabricante/construtor do barco (ou o fabricante das velas) também deve lhe dar um gráfico ou guia de seleção de velas especificando limites seguros de cada vela para quaisquer condições. Se tal guia não existir, um simples inclinômetro pode ser útil.

   Exemplo de guia indicativo de utilização de velas de acordo com a intensidade do vento

Especificamente, a maioria dos catamarãs navegam de forma tranquila e segura a 6-7 graus de adernamento, medido em águas calmas, ou no cavado de uma onda. À medida que o barco se aproxima de 10 graus de adernamento, o casco de barlavento estará perto de levantar. É certo que um catamarã não deve levantar o casco de barla durante uma travessia de cruzeiro!

Quando você estiver navegando seu catamarã, você deve fazer a si mesmo algumas perguntas críticas. Suas proas afundam nas ondas no contravento? Suas proas fazem pressão para afundar quando navegam rápido a favor do vento? Seu bridgedeck é alto o suficiente para não ficar batendo nas ondas quando em orça em um mar confuso? O tempo ruim logo revelará qualquer deficiência. Planeje aproveitar da melhor maneira os pontos fortes do seu catamarã e minimizar seus pontos fracos.

Táticas de tempestade

Lazeira a sotavento é a primeira consideração que determinará suas táticas para as condições dadas. Você está em águas abertas e é capaz de desviar do mau-tempo? Ou você está navegando ao longo de uma costa com espaço limitado a sotavento?

Catamarã de charter: Se você tem lazeira limitada a sotavento, então você precisa configurar o seu barco para fazer progressos para barlavento. A maioria dos catamarãs construídos para o mercado charter tem apenas uma vela de proa, uma genoa de enrolar, que será de uso limitado em condições de tempestade. Em tal barco, o velame de mau-tempo pode se resumir à vela mestra rizada. Ao navegar apenas com a mestra bem rizada, o traveler deve ser bem folgado para criar potência suficiente para permitir que o barco avance. 
Você pode monitorar seu rumo em relação solo no GPS e também usar referências visuais (se perto da costa) para acompanhar seu progresso.
Verifique o equilíbrio do leme. Se o piloto automático está lutando, com os lemes indicando forte tendência de orça (weather helm), folgue a escota da mestra para induzir mais torção (twist) na valuma. Isso vai tirar aliviar o piloto. Se o leme estiver neutro, a escota da mestra pode ser mais caçada. O objetivo é avançar sem derivar para sotavento. Você deve ser capaz de alcançar um ritmo confortável e tranquilo de 5-7 nós em quase todas as condições. Se o estado do mar dificultar isso, ligue o motor de sotavento para fazer um melhor progresso para barla.

Catamarã de alto desempenho: Um catamarã de alto desempenho terá mais facilidade para sair de uma situação de lazeira limitada a sotavento. Se as condições forem severas, é mais seguro levantar a bolina de sotavento e navegar apenas com a de barla. Dessa forma, se o barco ficar com excesso de potência e o casco de barla começar a levantar, a bolina sairá da água e o barco vai andar de lado, ao invés de continuar a adernar. Em barcos com bolinas tipo guilhotina, você precisará equilibrar o leme. Muitos catamarãs com bolinas guilhotina exigem um estai de proa interno carregando uma buja de temporal ou staysail para conseguir isso, embora uma mestra bem rizada poderá ser o suficiente se as bolinas não estiverem posicionadas muito para a proa. Mais uma vez, experimente no seu barco para ver como ele se comporta. Como acontece com os barcos de charter, o barco navegará bem apenas com a mestra se o traveler estiver bem folgado e a valuma regulada para equilibrar o leme.

    Ondas rebentando pelo través são o pior inimigo de um catamarã

Um catamarã com bolina canivete se comporta de maneira bastante parecida com um de bolina guilhotina, exceto que você pode trimar a mestra para mais desempenho e alterar o ângulo da bolina para equilibrar o leme.

   Trimarãs estão sujeitos aos mesmos riscos com ondas rebentando pelo través

Muitos dos catamarãs de alto desempenho atuais podem navegar a até 14 nós em contravento nas condições ideais. Em condições de vendaval, a singradura deve ser confortável e segura, na faixa de velocidade de 7-9 nós. Diminuir a velocidade alivia os esforços sobre o barco, e certamente também sobre a tripulação.

Estratégia de tempestade

Se o curso desejado o coloca em través, você precisa tomar uma decisão. Nada coloca mais esforço sobre um catamarã do que uma onda estourando pelo través. Apesar de quase todo moderno catamarã de cruzeiro ser projetado de acordo com as regras de classificação CE A-1 para águas abertas, um impacto a 90 graus de uma parede de água atingindo o costado alto e reto e as grandes janelas de um catamarã, colocará seu barco em risco máximo. Escolha um curso que coloque as ondas e o vento à proa ou na popa do través.


Se você sabe para que lado o vento vai mudar, você pode tomar melhores decisões. Por exemplo, se você sabe que o vento vai orçar durante uma travessia, talvez você devesse mirar acima do seu curso para começar. Se você sabe que o vento vai folgar ao longo da travessia, mire abaixo. Repito, não importa o que você escolha fazer, evite mares pelo través! Seu barco absorverá impactos muito melhor se eles não estiverem em um ângulo reto com o seu rumo.


As combinações de vela serão semelhantes às mencionadas acima, com o traveler ajustado bem para sotavento. Preste atenção ao ângulo de adernamento. É difícil e lento sair de uma tempestade em través. Na dúvida, tome mais um rizo, e não tenha pressa em tirá-los, mesmo que você sinta que o vento está moderando. Se seu catamarã tem bolinas, mantenha a de sotavento levantada, e a de barlavento baixada. Fique de olho no equilíbrio do leme e ajuste a escota da mestra de acordo, para obter equilíbrio.

A maioria das condições de vendaval são previstas com bastante antecedência. O velejador experiente posicionará seu catamarã para evitá-los ou pelo menos será capaz de navegar no quadrante traseiro ou de vento a favor de sistemas de baixa pressão. Uma vez que você conheça o seu barco e tenha experimentado um vendaval ou dois, navegar nessas condições pode, em breve, causar algumas de suas melhores lembranças de navegadas.

Quando as coisas ficam feias

Em um catamarã de charter, os lemes curtos e de baixo aspecto estão frequentemente no fluxo de água turbulento sob o casco. Não espere que eles tenham uma aderência firme ou uma rápida resposta em mudanças de direção. Mares íngremes e confusos podem ser um desafio para este tipo de barco. Até certo ponto, mais velocidade ajuda, mas o objetivo final nas condições de tempestade é evitar que as proas atinjam a próxima onda à frente e que as popas sejam arrastadas por ondas maiores que arrebentam pela ré.


Arrastar alças cabo pode ser uma estratégia muito eficaz. várias maneiras de fazer isso. Um cabo longo pode ser arrastado em um grande laço com as extremidades presas em cada popa, ou um pode ser arrastado de cada popa, com comprimentos variando para ajudar a equilibrar os lemes. Uma alça mais longa arrastada do casco de sotavento, por exemplo, pode minimizar a tendência do leme à orça. Ou você pode montar um bridão que permite ajustar a posição de uma única alça mais longa de um lado para o outro. O objetivo é segurar as popas um pouco no vento e evitar que o catamarã atravesse em ondas maiores que arrebentem. O comprimento da(s) alça(s) deve ser ajustado para alcançar a velocidade ideal do barco dentro do padrão de onda para manter velocidades decentes de 6-12 nós, enquanto impede que o barco surfe na próxima onda, que pode cobrir de água o convés de proa.



Quanto às velas de tempestade, estas variam muito de barco para barco. Em geral, se o catamarã tem um flybridge com uma retranca bem alta, você deve baixar a mestra cedo e se concentrar em usar seus bujas. O rumo mais confortável será diretamente a favor do trem de ondas, mas muitas bujas vão ficar dando jibes de um lado para o outro continuamente, desgastando tanto a vela quanto os nervos da tripulação. Para parar essas manobras irritantes, tente passar um cabo mais aberto, para prevenir os jibes. Caso contrário, você talvez tenha que orçar um pouco, para um rumo de alheta ou ¾, para manter a buja mais estável.


Em um catamarã de alto desempenho, você pode levantar ambas as bolinas e experimentar talvez os melhores dias de sua vida de vela. A velocidade é sua amiga. As proas de um catamarã de alto desempenho moderno subirão à medida que ele ganhar velocidade, e não desvantagens em ir mais rápido. 
Quanto mais próximo da velocidade do trem de ondas você navegar, mais suave o andamento se torna, e menos chance você tem de sofrer o impacto de uma onda grande. A seleção de velas pode ser uma mestra bem rizada ou uma buja caçada para o trilho de fora. Mesmo em 50-60 nós de vento, a singradura será suave e confortável enquanto você navega a 15-25 nós. Verifique sempre o equilíbrio do leme para manter os lemes e pilotos apenas levemente carregados.

Um catamarã é uma escolha legítima para cruzeiro em alto mar e longas travessias. Como muitos convertidos já devem ter lhe dito, os catamarãs são simplesmente mais confortáveis em mar aberto e, manuseados corretamente, sua segurança é excelente. Boas travessias!

Como “estacionar” seu catamarã

"Estacionar o Catamarã" é um método eficaz para parar em qualquer lugar e manter sua posição, do mesmo modo que “capear” em um monocasco. Cam Lewis estacionou seu maxi-catamarã, Explorer, ao largo do Cabo Horn em uma tempestade de 70 nós para permitir que um furacão passasse durante sua épica tentativa de Recorde Julio Verne (navegação de volta ao mundo em menos de 80 dias, fazendo referência à famosa obra do autor, de mesmo título. Hoje, o recorde pertence à Francis Joyon e sua tripulação, com o mega-trimarã IDEC, e é de 40d 23h 30m e 30s). Para estacionar, rize bem a mestra, solte o traveler todo para sotavento e cace bem a escota. Se você tem bolinas, levante-as até a metade, então amarre o timão para que os lemes estejam empurrando o barco para barlavento. O catamarã ficará em um curso seguro e bem orçado, à deriva de lado a aproximadamente 1/2 nó. Se você precisa de uma pausa na pauleira de contravento, ou precisa esperar a luz do dia para se aproximar do seu destino, estacionar pode ser uma estratégia eficaz. O movimento é tão suave enquanto estacionado que muitos utilizam essa estratégia para realizar reparos enquanto estão no mar em todas as condições. Seu catamarã vai parecer uma grande quadra de tênis no meio do redemoinho.






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