segunda-feira, 25 de maio de 2020

Catamarãs de cruzeiro de alto desempenho estabelecem novos padrões de velocidade à vela









Traduzido do original https://www.sailmagazine.com/multihulls/performance-cruising-cats-set-new-standards-in-sailing-speed



Nathanael G. Herreshoff não quis (necessariamente) desencadear uma revolução no design de barcos quando lançou o catamarã Amaryllis, em 1875, mas foi exatamente o que aconteceu ... eventualmente. Os estudantes de história vão se lembrar que o Amaryllis foi prontamente banido das regatas organizadas, principalmente porque derrotou os monocascos por larga margem. Ainda assim, a notícia se espalhou: os catamarãs eram muito rápidos e navegavam sem adernar. Eles também oferecem outras vantagens em comparação aos monocascos, como muito espaço no convés. Infelizmente, a opinião popular exerceu sua pressão usual sobre proprietários, designers e construtores, e os catamarãs de cruzeiro de alto desempenho ficaram em segundo plano até a década de 1960.


Um TAG 60 levantando o casco de barlavento

“Os primeiros catamarãs modernos surgiram das regatas”, diz Marc Van Peteghem, do famoso escritório de design náutico francês  VPLP, que projetou alguns dos multicascos mais rápidos do mundo. “A origem do multicasco de cruzeiro de alto desempenho remonta a um longínquo passado. Foi o designer americano Dick Newick quem iniciou essa evolução. Seu conceito era simplicidade e leveza. As formas eram muito orgânicas e os perfis bem baixos. De muitas maneiras, eles foram altamente revolucionários, dadas as limitações de materiais e conhecimentos da época. ”

A Sig 45 shows a burst of speed off the California coast

Um Sig 45 exibe uma explosão de velocidade ao largo da costa da Califórnia

Os projetos agora icônicos de Newick atraíram os velejadores que adotavam o espírito de simplicidade, design e construção leves e almejavam singraduras diárias na casa dos 3 dígitos. Esses cruzeiristas com visão de futuro não estavam interessados ​​em se conformar com o status quo da vela de monocasco, pois a forma de casco escolhida por Newick era o trimarã, e seus métodos de construção envolviam cascos laminados de madeira moldada a frio (embora seus projetos fossem tipicamente vendidos como planos de linhas). 

Poucos projetos de Newick ocupavam poitas em frente às instalações do sofisticado New York Yacht Club em Harbor Court, na esnobe Newport, Rhode Island, mas muitos de seus barcos fizeram travessias marítimas impressionantemente rápidas, deliciando seus proprietários e forjando uma lenda entre os marujos de alto-mar.

Outros multicascos de cruzeiro orientados para o desempenho surgiram durante as décadas de 1980 e 1990, e fizeram fama nos Estados Unidos, principalmente barcos dos estaleiros franceses Catana e Outremer. O brilhante designer de Massachusetts, Chris White, também começou a chamar atenção com sua linha inovadora de catamarãs “Atlantic”, cujas configurações de layout apresentavam um cockpit localizado à gente da cabine principal. O que diferenciava esses barcos dos projetos de cruzeiro mais tranquilos eram características como alto clearance do convés central, superestruturas baixas, cascos estreitos e construção leve de compósitos. Estimulados pelos avanços de projeto e construção de multicascos de regata, conceitos como construção em compósitos, mastros-asa e, eventualmente, mastros de fibra de carbono começaram a encontrar espaço nos multicascos de cruzeiro.

The Nautitech 442 proves you don’t need daggerboards to enjoy fast passage times

O Nautitech 442 prova que você não precisa de bolinas "guilhotina" para fazer travessias rápidas

Também nessa época, o designer Ian Farrier começou a aparecer manchetes náuticas internacionais com sua linha de trimarãs dobráveis Corsair, incluindo o F-22 e o agora icônico F-27 (um participante do Sailboat Hall of Fame em 2004). Esses barcos tornaram a navegação rápida acessível a um grande número de velejadores, muitos dos quais cresceram navegando Hobie-Cats na sua praia local e agora queriam um multicasco de cruzeiro que pudesse oferecer acomodações confortáveis ​​(o suficiente), além de proporcionar emoções da alta velocidade e a conveniência de serem rebocáveis. Ainda assim, a maioria dos velejadores tradicionais continuava relutante em aceitar esse novo paradigma de cruzeiro rápido, e os multicascos permaneceram em grande restritos aos domínios dos barcos de charter ou dos puros-sangues de regata. 

Então, no final de 1999, Peter Johnstone - da família dos criadores dos veleiros J, como o J24 etc. - partiu para encontrar uma alternativa ao seu monocasco de cruzeiro de 70 pés. Johnstone  queria algo rápido e confortável, mas que também apresentasse o tipo de desempenho ao qual ele estava acostumado em maxi-catamarãs de alta performance, como Playstation e Team Adventure. Johnstone finalmente contratou os veteranos de multicascos da Costa Oeste Morrelli & Melvin para elaborar o projeto de um catamarã de cruzeiro de alto desempenho de 62 pés que acabaria por servir como protótipo para sua agora famosa linha Gunboat, e que ele teria construído sob encomenda no estaleiro Harvey Yachts, na África do Sul. A família partiu para o cruzeiro a bordo do TRIBE em 2001 e Johnstone rapidamente percebeu que isso podia ser algo importante: um barco com proas invertidas, bolinas tipo guilhotina e um design voltado para o desempenho, capaz de singraduras diárias de 300 a 400 milhas náuticas em regime de cruzeiro com um navegada confortável.

Em janeiro de 2010, me vi sentado no confortável sofá do Gunboat 66, Sugar Daddy , contemplando a escolha do proprietário Bruce Slayden de um Sauvignon Blanc acompanhado com tacos de peixe Ahi recém cozidos, quando alguém notou a velocidade: 21,7 nós, velas caçadas, condução com piloto automático . Eu me belisquei: raro é o dia em que alguém pode saborear um almoço cinco estrelas enquanto navega a mais de 20 nós, nem um único fio de cabelo fora do lugar. Mas velejar a bordo do bem equipado Gunboat de Slayden no Canal de Molokai, no Hawaii, não é exatamente uma travessia "cotidiana".

A squadron of Gunboats race in the Caribbean

Uma esquadra de Gunboats em regata no Caribe

Olhando pelas muitas janelas da cabine do Sugar Daddy , com uma visão quase de 360 ​​graus, vi que o muito temido Canal de Molokai mantinha sua reputação, com 25 a 30 nós de vento e mar de dois metros. No entanto, era óbvio que Sugar Daddy estava perfeitamente equilibrado, com suas grandes e poderosas proas subindo nas ondas, enquanto suas bolinas de fibra de carbono forneciam bastante sustentação. Tendo navegado a bordo de uma grande quantidade de monocascos rápidos - incluindo Volvo Open de 70 e os super-máxis de 100 pés - fiquei impressionado com o fato de mais de 20 nós parecerem tão suaves e civilizados, mas uma rápida olhada em Bruce revelou que estávamos só agora começando a ver a verdadeira magia de Sugar Daddy. Bruce sabia: ele e sua esposa, Nora, e sua tripulação percorreram mais de 70.000 milhas a bordo de três diferentes Gunboats. "Eu realmente sentia falta da nossa casa quando estávamos navegando", diz Nora. "Agora é o contrário."

The Outremer 5X shows off its slim hulls, powerful rig and plumb bows

O Outremer 5X exibe seus cascos esguios, mastreação potente e proas retas

Navegando pelo Canal de Molokai, a visão de Johnstone de um catamarã de cruzeiro de alto desempenho subitamente fez sentido. Se estivéssemos em condições semelhantes a bordo do J/44 do meu pai, os coletes salva-vidas e os cintos de segurança - não o Ahi recém-capturado – estariam no menu do dia, juntamente com rostos salgados e as indefectíveis roupas de mau tempo.

Lightweight construction is a hallmark of the MC²60

Construção leve é a marca registrada do MC²60

"A categoria de grandes multicascos de cruzeiro de desempenho não existia quando começamos o Gunboat", diz Johnstone. “Ninguém pensou que um multicasco de cruzeiro pudesse andar contra o vento, mas passamos pelo Volvo 70 com um Gunboat 66 em uma recente parada na Volvo Ocean Race na Cidade do Cabo. Trocamos bordos por 10 milhas - andávamos um pouco mais rápidos e num ângulo um pouco mais aberto.” Trabalho impressionante, considerando que o Volvo Open 70 é um dos monocasco mais rápidos (e mais desconfortáveis) que existe e é tripulado por equipes cheias de profissionais experientes - muito diferente do Sugar Daddy.

Atualmente, os estaleiros estão construindo mais catamarãs de cruzeiro de alto desempenho, cada um oferecendo uma mistura diferente de características de desempenho e de cruzeiro, obtidas pelo uso de novos materiais, alocação criativa de peso e design aprimorado dos apêndices (bolinas e lemes), juntamente com o foco nas comodidades a bordo. O objetivo é velocidade, desempenho e conforto em alto-mar, tanto em vento forte quanto, mais importante, nos ares fracos em que os monocascos ficam boiando. "Um catamarã de bom desempenho pode navegar 1,2 a 1,5 vezes mais rápido do que a velocidade do vento em algumas condições, o que significa menos tempo de motorando e mais tempo velejando", diz Greg Young, designer do TAG 60.

"Dizem que os proprietários de barcos podem escolher dois dos três seguintes: velocidade, conforto ou baixo custo", diz Hugo Le Breton, fundador da Le Breton Yachts, criadores da linha SIG de catamarãs de cruzeiro de alto desempenho. "Você não pode ter um barco rápido, confortável e barato, tudo ao mesmo tempo." Embora o custo seja obviamente importante, Van Peteghem enfatiza que o peso é a verdadeira chave do desempenho. "Quanto mais leve um barco, maior o desempenho", diz ele. “Outra maneira de expressar isso é que o catamarã de alto desempenho encontra o equilíbrio ideal entre conforto, desempenho e custo - enquanto enfatiza o desempenho.” Por causa disso, os catamarãs de cruzeiro atuais, orientados para o desempenho, adotaram a construção em compósitos (cascos, bolinas, mastreação e aparelhamento), designs sofisticados, planos vélicos altamente adaptáveis ​​e um espírito de que “o leve é o certo”.

The Neel 45 represents the cutting edge in performance cruising trimaran design

O Neel 45 representa a vanguarda no design de trimarãs de alto desempenho 

Embora todos concordem que a fibra de carbono é muito superior à fibra de vidro tradicional, o custo não pode ser ignorado. "Você obtém muito mais desempenho por dólar construindo cascos mais longos e mais estreitos, com materiais menos dispendiosos", diz Phil Berman, presidente da Balance Catamarans. "Prefiro usar núcleos de espuma, anteparas de epóxi pré-impregnadas, resinas estervinílicas ou epóxi e E-glass com acabamento de gelcoat se o esforço for para reduzir os custos". Berman não está sozinho no uso de fibra de vidro. “Você não precisa usar carbono em tudo para conseguir um barco leve”, diz Raphael Blot, que se uniu ao estaleiro australiano McConaghy para construir o MC²60 (Blot é dono do primeiro MC²60). "Prova disso é que estamos um pouco acima das 9 toneladas, enquanto alguns catamarãs de 60 pés de carbono têm mais de 15." O ponto crítico, diz Blot, é usar carbono onde produz os maiores retornos, ao mesmo tempo em que se concentram em bolinas assimétricas que estão situadas no meio de cada casco, de modo a alcançar o equilíbrio certo e o trim do casco.

 The plumb bows and narrow hulls on this Catana 59 are all business

As proas retas e os cascos estreitos deste Catana 59 mostram que ele não está para brincadeiras

Embora todos os multicascos tenham o potencial de se tornar um pouco assustadores ao navegar em ventos francos, especialmente fortes, navegar no contravento não é fácil para um barco com dois cascos e sem quilha. Muitos clientes de charter ficam frustrados ao tentar uma orça apertada em seus “condomarãs”, mas os catamarãs com foco em desempenho empregam bolinas (seja tipo “guilhotina” ou “canivete”) para combater isso. “Bolinas são necessárias para apontar bons ângulos em qualquer catamarã de alto desempenho”, diz Young, que usa bolinas assimétricas no seu Young 65. “Ao angular as bolinas 10 graus, também introduzimos uma componente de sustentação extra, além de minimizar qualquer impacto negativo em relação ao interior." Young minimizou a ameaça de capotagem usando uma interessante mistura de tecnologia. A TAG Yachts desenvolveu um incrível sistema de segurança que usa células de carga na mastreação e um sensor de ângulo de adernamento que folga automaticamente as escotas antes que o barco chegue a um ponto crítico ou inseguro.

As bolinas também ajudam a embarcação em outros pontos de navegação e em condições de mar adversas. “O que muitas vezes os consumidores não se dão conta é que um catamarã com bolinas é muito mais rápido do que um catamarã com mini-quilhas fixas, porque você reduz enormemente o arrasto quando as  bolinas são levantadas”, diz Berman. Segundo Johnstone, a capacidade de levantar e abaixar as bolinas melhora a segurança em alto-mar. "Quando fica realmente desagradável, com mais de 60 nós e os mares estão confusos e violentos, a estratégia mais segura é correr com o vento rapidamente, com as bolinas totalmente levantadas", diz Johnstone. "Quando você é atingido de lado por uma onda quebrando, o barco simplesmente “derrapa” de lado e dissipa a energia de impacto da onda."

An Atlantic 57 makes speed look easy in a stiff breeze

Um Atlantic 57 faz a velocidade parecer fácil em uma brisa fresca

O conforto a bordo é a principal consideração final do projeto. Embora os regateiros fanáticos não se importem com acomodações mínimas, a maioria das pessoas “normais” prefere algum conforto. "Não há mais a obrigação de ter um barco espartano para ter um barco de desempenho", diz Xavier Desmarest, da Outremer Catamarans. "Todos os nossos barcos são projetados e construídos para oferecer o mesmo conforto que você tem em casa." Dado que a maioria dos catamarãs voltados para o desempenho são construídos de maneira personalizada ou semi-personalizada, os proprietários de barcos novos têm o prazer de decidir quais confortos são prioritários em alto-mar.

Por mais aventureira que possa parecer uma travessia do Atlântico em quatro dias ou menos, qualquer um poderia se acostumar com os turnos da madrugada passados em postos de comando secos e abrigados. No entanto, a tecnologia moderna ajuda a reduzir o peso aqui também. “Se 'sacrifício' significa trazer um iPod em vez de uma coleção de CDs, um Kindle em vez de livros, e simplesmente deixar algumas coisas não essenciais em casa, nossos clientes acham que vale a pena”, diz Le Breton.

A America's Cup há muito tempo tem servido como um importante laboratório de ideias para o design de vela de alto desempenho, com a tecnologia aplicável chegando aos mercados de produção e customizado. Historicamente, pouco disso passou para a multidão de multicascos, mas a 34ª America's Cup, com seus catamarãs e hidrofólios com vela-asa de 72 pés, pode ter sido a exceção. "O principal subproduto que veremos da America's Cup será em materiais e tecnologias avançados de construção, uma melhor compreensão da dinâmica da navegação com vento aparente e, espero, melhores programas de previsão de velocidade", diz Young. Outros concordam. "Há muito a ser aprendido sobre as vantagens e desvantagens entre formas de casco de baixo arrasto e volume na proa, e sobre formatos de lemes", diz Le Breton.

Quando questionado se a tecnologia da vela-asa poderia algum dia entrar no mercado de catamarãs de cruzeiro de alto desempenho, o conselho de Le Breton é "nunca diga nunca", enquanto Young fala sobre uma vela sólida rizável que ele está desenvolvendo. Embora haja risco mínimo de um casal de cruzeiristas quebrar o recorde transatlântico do Banque Populaire V em um multicasco de cruzeiro tão cedo, há uma excelente chance de que a próxima geração de multicascos focados em desempenho se beneficie de formas mais refinadas (cascos, apêndices e velas), materiais compostos avançados e melhores programas de design.

Demorou “apenas” 138 anos, mas finalmente os catamarãs de alto desempenho se tornaram uma tendência expressiva na vela - da America’s Cup ao seu iate clube local. Hoje, o Amaryllis de Herreshoff ocupa uma posição de destaque no universo dos projetos de multicascos, os projetos de Newick são icônicos e os cruzeiristas sérios de todas as latitudes entendem que um segundo casco pode tornar a vida muito mais agradável.

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